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sábado, 6 de fevereiro de 2010

Prevenção de deficiências

autor: Dr Antônio Carlos Fernandes
Mestre em Ortopedia e Traumatologia (UNIFESP)
Fellowship em Ortopedia Pediátrica (Children's Memorial Hospital - Chicago)
Diretor Clínico da AACD (2000-2009)
Superintendente Técnico do Hospital Abreu Sodré (AACD) - São Paulo


A prevenção adequada pode evitar que milhares de pessoas
tornem-se portadoras de deficiência física. Analisada sob este
aspecto, a questão deveria merecer mais atenção por parte de todos
os setores de nossa sociedade.

A paralisia cerebral é a doença mais freqüente na AACD,
correspondendo a cerca de 45% de nossos pacientes. Corresponde a
uma lesão cerebral ocorrida previamente, que promove seqüelas
motoras, visuais, cognitivas ou outras, dependendo do local cerebral
acometido. Muitos pacientes têm um acometimento de vários órgãos e
sistemas do organismo, tornando o tratamento bastante complexo,
necessitando de uma equipe multidisciplinar competente. Numa
amostra de 6.007 pacientes da AACD, cerca de 2.100 (35%) são
paraparéticos e 1.700 (28%) tetraparéticos. Há, ainda os
hemiparéticos, portadores de retardo psicomotor, atetóides (pessoas
que não controlam certos movimentos) e atáxicos (aqueles que não
têm coordenação dos movimentos musculares voluntários).

A prevenção da paralisia cerebral deve começar antes do
nascimento da criança, através do pré-natal bem conduzido e iniciado
precocemente. É importante a observância de nutrição adequada por
parte da gestante, a verificação da compatibilidade sanguínea (fator
Rh), o diagnóstico precoce de alterações uterinas e exames para
diagnosticar e tratar doenças como diabetes e hipertensão arterial.
Também é fundamental a abstinência de álcool e drogas. Os cuidados
devem continuar no momento do nascimento, com o estímulo para
parto normal, boas condições hospitalares e a presença de um médico
pediatra no momento do parto, para oferecer os cuidados necessários
ao recém-nascido.

A prevenção de problemas deve prosseguir após o nascimento,
através de cuidados adequados aos recém-nascidos de baixo peso,
para diminuição dos riscos de asfixia e distúrbios metabólicos, causas
de convulsões e outras complicações. Recém-nascidos que
apresentam convulsões têm chances três vezes maior de desenvolver
paralisia cerebral. A paralisia cerebral manifesta-se em cerca de
10,1% das crianças que apresentaram convulsões. Os cuidados
preventivos devem ser ainda maiores nos bebês prematuros. Para
todos os bebês é muito importante o aleitamento materno, puericultura
adequada, vacinações e o combate às infecções, lembrando que 33%
dos casos de paralisa cerebral ocorrem após o nascimento.

A lesão medular é outra causa grave de deficiência física, sendo
responsável por 12% dos pacientes em tratamento na AACD. Quando
ocorre um dano na medula espinhal desenvolve-se um quadro
paralítico, que acomete vários órgãos do organismo.A paraplegia é a
lesão mais freqüente, com 65,8% dos casos. Este trabalho evidenciou
que as armas de fogo, num reflexo da violência e da criminalidade no
Brasil, são as maiores vilãs desta estatística, representando 40,5%
dos casos de lesão medular. Os acidentes de trânsito vêm em
segundo lugar, com 34,2%. São na maioria adultos jovens em plena
capacidade de trabalho, a maioria chefes de família que têm a sua
vida grandemente modificada pela lesão medular, necessitando de
tratamentos prolongados de reabilitação e muitas adaptações para a
reintegração social.

Em ambos os segmentos, são necessárias políticas públicas
mais adequadas, a começar pela educação, inclusão social e combate
mais eficaz ao problema agudo. No primeiro caso, exige-se ação
eficiente de combate à pobreza, segurança pública adequada e
melhoria das condições sociais da nossa população. No tocante ao
trânsito, é preciso prover socorro mais ágil e profissional aos
acidentados, estimular o uso do cinto de segurança inclusive no banco
traseiro, combater com veemência o consumo de álcool e drogas
pelos motoristas e agregar equipamentos de segurança à frota
nacional. É o caso da presença, em todos os veículos novos do air
bag e de freios de alta performance, que poderiam ser viabilizados
com a isenção total ou parcial de impostos para estes opcionais, que
passariam a ser itens de série.

Os atropelamentos são causadores de 31,7% dos casos de
traumatismo crânio-encefálico infantil. Nestes casos, a prevenção
inclui medidas educativas, mais atenção de motoristas, orientação
específica para crianças em idade escolar e uma melhor adequação
tecnológica dos veículos. Um dado preocupante: em 30% dos
atropelamentos ocorre o óbito. Outros 22,5% dos casos são
provocados por quedas de altura. Na periferia das grandes cidades,
muitas crianças brincam sobre as lajes de moradias, empinando pipas
ou jogando bola, tornando-se muito susceptíveis à quedas com
conseqüente traumatismo. Além do traumatismo crânio-encefálico,
outra causa recorrente de lesão encefálica adquirida infantil é a anóxia
(falta de oxigênio no cérebro). Dentre estes casos, 34,7% são
provocados por afogamento em praias, piscinas ou locais inadequados
para natação.

A mielomeningocele é outra causa de deficiência física,
responsável por 7% dos nossos atendimentos. É uma malformação
congênita do sistema nervoso, que acomete uma a cada mil crianças
nascidas e que provoca paralisia nos membros inferiores, bexiga e
intestino. Cerca de 90% destas crianças também são acometidas de
hidrocefalia, tornando o tratamento ainda mais complexo. No campo
da prevenção, deve ser citada a luta vitoriosa da AACD pela adição de
ácido fólico (vitamina B9) às farinhas de milho e trigo, essencial à
prevenção. A medida, defendida no plano científico e em intensa
mobilização cívica, é hoje uma realidade em nosso país, após
publicação da Resolução 344/2002 pela ANVISA. A prevenção a esta
grave doença paralítica, contudo, também inclui os cuidados
adequados com a condição materna. É particularmente importante
acompanhar atentamente mulheres em idade fértil portadoras de
crises convulsivas, diarréias e infecções crônicas.

Analisando todas as causas das deficiências físicas, conclui-se
que não podemos mais nos resignar diante da prevenção incipiente
em nosso país. Políticas públicas articuladas, com a participação da
sociedade, entidades de classe e organizações não governamentais,
são imprescindíveis para reduzir a incidência do problema. Devemos
trabalhar muito pela saúde, harmonia e inclusão social, redução da
violência e de outros fatores, da negligência à miséria, que atentam
contra a sanidade física e psicológica das pessoas. Tratar custa muito
mais do que prevenir.