ANTÔNIO VITOR DE ABREU,
FERNANDO JOSÉ DE PAIVA COELHO
RBO , Vol 31 . nº3 - Março 1996
Em todos os momentos das fases de crescimento e desenvolvimento, os pais estão
com as atenções voltadas para seus filhos. Qualquer alteração observada gera
preocupações e será motivo de incertezas, formando um quadro de ansiedade, nos
pais, do possível aspecto dos seus filhos na fase adulta.
Dentre os motivos de consulta ao ortopedista estão os desvios torcionais dos
membros inferiores (torção femoral e torção tibial), visto que estes interferem
na marcha das crianças.
A torção tibial interna (TTI) tem sido apontada como a causa mais comum da
marcha com os pés para dentro (intoeing) ou marcha de “periquito”(1,5) até os
dois anos de idade, quando ocorreria a resolução espontânea dessa alteração.
Hutter & Scott (1949)(9) observaram que as crianças em idade pré-escolar
tinham menos torção lateral que adultos e que 10% dos meninos e 8% das meninas
entre 5 e 7,5 anos de idade mostravam torção tibial interna.
Kite (1954)(12) classificou as torções internas dos membros inferiores como
congênitas ou adquiridas. A torção interna congênita da tíbia estaria
relacionada com a posição fetal no útero, enquanto que a adquirida resultaria
dos hábitos de sen-tar e de dormir.
Staheli & Engel (1972)(17) encontraram média de 5º de torção lateral no
primeiro ano de vida, 10º aos cinco anos de idade e 14º em torno dos 11 anos.
Staheli (1989)(15) citou que a TTI grave é rara, porém, quando presente, é
necessária correção cirúrgica (osteotomia rotacional da tíbia), cujas indicações
seriam: a) crianças acima de oito anos de idade; b) incapacidade funcional e/ou
deformidade cosmética; c) ângulo coxa-pé maior que 15º.
Staheli (1992)(14) referiu que 99% das crianças até oito anos de idade sofrem
correção espontânea da TTI, existindo pequena fração que necessitará de
tratamento devido à dificuldade que esta torção causaria na deambulação.
A pequena quantidade de trabalhos na literatura nacional a respeito do tema
nos levou à realização desta pesquisa. Assim, o objetivo da presente publicação foi mostrar a incidência da TTI, através de
exame clínico, sem se preocupar com a medida angular deste desvio torcional dos
membros inferiores, em crianças de cinco a dez anos de idade, relacionando os
achados com as variáveis sexo, idade e frouxidão ligamentar generalizada.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram examinadas clinicamente 300 crianças sadias, de
ambos os sexos, de cinco a dez anos de idade, pertencentes a escolas públicas,
particulares e creches do Estado do Rio de Janeiro.
Para melhor análise dos resultados, as crianças foram divididas em seis
grupos com 50 componentes, sendo 25 do sexo masculino e 25 do feminino.
A torção tibial (interna ou externa) foi avaliada através do ângulo coxa-pé,
segundo as descrições de Staheli & col. (1985)(16) e Amatuzzi (1992)(1). A
criança foi mantida em decúbito ventral na mesa de exame, com os joelhos
fletidos em 90º; através de observação de cima e perpendicular ao plano da mesa,
obteve-se o ângulo através da inserção de duas linhas imaginárias: uma ao longo
do eixo longitudinal da face posterior da coxa e outra ao longo do eixo
longitudinal do pé (fig. 1).
Devido à dificuldade na mensuração desse ângulo, optouse apenas por indicar
se a criança tinha ou não TTI; quando esta estivesse presente, se a criança
referia ou não dificuldade na deambulação e/ou corrida.
A variável frouxidão ligamentar generalizada foi investigada através do teste
clínico descrito por Carter & Wilkinson (1964)(6), modificado posteriormente
por Beighton & Horan (1969)(3), segundo a capacidade da criança de realizar:
a) hiperextensão passiva do 5º dedo da mão acima de 90º; b) aposição passiva do
polegar à face anterior do antebraço; c) hiperextensão ativa dos cotovelos acima
de 10º; d) hiperextensão ativa dos joelhos acima de 10º; e) flexão do tronco com
aposição das mãos ao solo sem fletir os joelhos.
Segundo esses autores, as crianças capazes de realizar, no mínimo, três
dessas manobras seriam consideradas como
RESULTADOS
Das 300 crianças avaliadas, 52 (17,3%) tinham torção tibial
interna, havendo predomínio no sexo feminino (n = 37), com uma razão de 2,4:1 em
relação ao sexo masculino (n = 15) (fig. 1).
O gráfico 1 mostra os percentuais das crianças com TTI, segundo a faixa
etária. Este achado sofreu queda na sua incidência conforme a idade avançava
para ambos os sexos, sendo que praticamente a totalidade dos casos foi
encontrada até os oito anos de idade. Aos nove anos, apenas um caso (0,3%) foi
encontrado e, aos dez anos, a incidência foi nula.
Nenhuma criança com este achado referiu dificuldades para marcha ou corrida.
A frouxidão ligamentar generalizada esteve presente em 36 (12%) crianças,
predominando também no sexo feminino (n = 28), com uma razão de 3,5:1 em relação
ao sexo masculino (n = 8) (fig. 2).
O gráfico 2 mostra que esta característica clínica também apresentou queda na
sua incidência conforme a idade avançava para ambos os sexos. Aos nove anos de
idade, apenas um caso (0,3%) do sexo feminino que também tinha TTI foi
encontrado.
Das 36 crianças consideradas portadoras de frouxidão ligamentar generalizada,
27 (75%) tinham TTI associada (fig. 3).
DISCUSSÃO
A TTI pode ser avaliada pelo ângulo coxa-pé, pelo ângulo
transmaleolar, radiografias e tomografia computadorizada(10,17). Preferiu-se o
ângulo coxa-pé devido à sua praticidade.
A avaliação da torção tibial tem sido motivo para muitos estudos(2,8-12). A
variedade dos resultados reflete as dificuldades na sua mensuração; por esse
motivo, preferiu-se apenas indicar se a criança apresentava ou não este desvio
torcional.
Apesar da facilidade de realização do ângulo coxa-pé, as linhas de interseção
encontram-se em dois planos, com alturas diferentes, e a exatidão da
determinação do ângulo é prejudicada e até de certa forma imprecisa. Além do
mais, este método de avaliação merece atenção especial do examinador, visto que
o metatarso varo, anormalidade congênita do pé, poderá estar presente, causando
interpretações errôneas.
A TTI é encontrada mais comumente entre os seis e 18 meses de idade, havendo
variação extremamente ampla do normal. Em condições normais, então, a tíbia roda
lateral-mente durante o início dos dois anos de idade, atingindo um máximo de
15º entre 13 e 15 anos de idade(7,14).
Encontramos percentagem baixa (17,3%) na incidência deste desvio torcional,
na faixa etária pesquisada, sugerindo que a maioria dos casos já sofreu correção
antes dos cinco anos de idade. Porém, conforme citou Staheli(14), os casos que
ainda persistem devem ser observados até os oito anos de idade, visto que após
esta faixa etária praticamente a totalidade dos casos encontra-se corrigida.
Nossos resultados estão de acordo com as descrições deste autor.
Em relação ao sexo, a TTI predominou no sexo feminino. Forlin & col.(7)
encontraram predomínio da torção interna dos membros inferiores também neste
sexo, porém não mencionaram se esta torção era tibial ou femoral.
Acreditamos que esta torção encontrada em ambos os sexos seja fisiológica e
com pequenos graus, visto que houve queda na sua incidência, o que sugere
correção espontânea, e também pelo fato de que nenhuma criança tenha referido
dificuldade para a marcha ou para a corrida.
Encontramos 12% das crianças com frouxidão ligamentar generalizada, estando
esta incidência alta em comparação com os 5% e 7% encontrados nos trabalhos de
Carter & Wil-kinson(6) e Wynne-Davies(18), respectivamente, em crianças na
idade escolar.
É fato conhecido ser a frouxidão ligamentar generalizada mais freqüente no
sexo feminino, sendo citado por diversos autores(4,13,18). Foi encontrada
incidência alta deste achado neste sexo: das 36 crianças consideradas positivas,
28 (77,8%) eram do sexo feminino. Nossos resultados também conferem com as
citações da literatura mundial. Deve-se diferenciar esta condição clínica, que
acreditamos ser fisiológica, daquelas que fazem parte de algumas patologias,
como por exemplo as síndromes de Ehlers-Danlos. Segundo nossos resultados, a
queda na incidência deste achado é dado importante na sua diferenciação.
Houve associação elevada entre frouxidão ligamentar generalizada e TTI, não
sendo encontrado este dado na literatura pesquisada, merecendo estudos
posteriores para sua confirmação. É possível que as crianças com frouxidão
ligamentar generalizada adotem hábitos de sentar e/ou de dormir, capazes de
interferir na correção mais precoce deste desvio torcional. Este resultado pode
ser também uma explicação para a maior incidência no sexo feminino da TTI.
O tratamento da TTI é controvertido. Os resultados deste trabalho sugerem ser
desnecessária a intervenção na sua correção. Em nossa opinião, o mais importante
é que o médico assistente tenha um perfil evolutivo do seu paciente junto com um
interrogatório sobre a presença de história familiar, hábitos posturais adotados
pela criança e dificuldade para a marcha ou corrida, antes de adotar qualquer
medida terapêutica.
CONCLUSÃO
1) A TTI foi mais freqüente no sexo feminino;
2) Sua incidência é baixa (17,3%) após os cinco anos de idade e continua a
cair, principalmente até os nove anos de idade;
3) Houve associação importante entre frouxidão ligamentar generalizada e TTI.
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