O Pé Equinovaro Congênito Idiopático ( PEVCI ) está presente ao nascimento e consiste em uma deformidade em eqüino e varo do retropé e uma adução e cavo do mediopé. A deformidade não pode ser corrigida passivamente e não desaparece espontaneamente. O perímetro da panturrilha é menor e o comprimento do pé também, sendo bem definidas tais diferenças nos casos unilaterais. Os pés afetados podem ser mais ou menos rígidos, entretanto são tão similares que dificulta uma classificação em subtipos.
PEVCI em conjunto com a Displasia do Desenvolvimento do Quadril estão entre os mais intrigantes problemas na área das deformidades congênitas tratados na Ortopedia, com uma prevalência variando entre 0,64 a 6,8% por 1.000 crianças nascidas viva.
Os estudos epidemiológicos e genéticos da população com PEVCI são feitos geralmente de forma retrospectiva, o que, normalmente, dificulta a coleta completa de dados. Não existem estudos prospectivos e randomizados nesta área. Outra dificuldade envolve a análise de amostras com diferenças na nomenclatura, incluindo deformidades posturais, Metatarso Varo Congênito ou Pé Calcâneo Valgo. Existe apenas consenso na diferenciação entre casos sindrômicos e idiopáticos.
A larga faixa de incidência do PEVCI, 0,64 a 6,8% por 1.000 nascimentos, pode refletir a diferença nos critérios de diagnóstico, mas não explicam as diferenças interraciais. Entre caucasianos, a freqüência é de 1,2 por mil, com uma proporção masculina/feminina de 2:1, e o comprometimento bilateral em 50% dos casos sendo o lado direito o mais comprometido.
Os primeiros relatos de uma correlação entre PEVCI e herança genética vêm da observação de famílias com múltiplas ocorrências. Parentes de primeiro grau com pé torto congênito têm um significativo aumento no risco de apresentarem PEVCI quando comparados com a população em geral. Um futuro irmão de uma criança portadora de PEVCI tem um risco de 2 a 4% de nascer também com a anomalia. Caso ambos os pais tenham PEVCI este risco sobe para 10 à 20%. Quanto mais membros na família tenham, maior é o risco de uma nova ocorrência. Entretanto, diferente de um modelo de herança Mendeliano, o risco diminui drasticamente em parentes de segundo e terceiro graus.
O quadro clinico do PEVCI é característico: uma deformidade fixa em eqüino da tibiotársica com o pé apontando no sentido plantar e medial. Há sulcos profundos na face posterior da articulação tibiotársica e na face medial e plantar do pé. O mediopé e o antepé estão aduzidos, invertidos e com cavismo associado. A dorsoflexão e eversão estão em graus variados restritas durante a manipulação passiva, acentuando o estiramento dos tendões do tríceps sural e do tibial posterior durante a manobra de correção. O maléolo lateral esta desviado posteriormente em relação ao maléolo medial. Quadro sempre associado de atrofia da panturrilha de grau variável, com encurtamento do eixo longitudinal do pé afetado. Há necessidade de sempre se avaliar a história familiar pregressa e pesquisar a presença de doenças neurológicas associadas.
O diagnóstico diferencial inicial deve ser feito com o chamado Pé torto postural. Neste caso a deformidade é flexível e pode ser corrigida até a posição neutra pela manipulação passiva. Acredita-se que a deformidade neste caso esteja relacionada à má postura intra-uterina. As deformidades são brandas, o trofismo na panturrilha é normal e os sulcos cutâneos não são pronunciados. Respondem rapidamente a manipulações passivas e a poucas trocas gessadas são necessárias.
Não existe um consenso para a descrição de resultados finais no PEVCI , tratados de forma conservadora ou cirurgicamente, isto se deve, em parte, a dificuldade em se definir as deformidades ao início do tratamento. Várias classificações do PEVCI foram descritas na literatura, tendo sido usadas basicamente em escalas funcionais ( Atar, Lehman, Catterall, Laaveg, Ponseti e Magone ). Estas classificações são baseadas em escores que combinam a avaliação da função subjetiva do pé, e a avaliação objetiva clinica e radiológica. Cada parte tem o seu peso e depende da observação própria de cada autor. Para termos uma medida real de nosso resultado terapêutico, devemos poder quantificar de forma objetiva o nosso paciente no pré e pós tratamento. No momento a Classificação de Diméglio é a que mais se aproxima desse objetivo.
Exames radiográficos já foram utilizados anteriormante, com a finalidade de se tentar definir uma classificação e um prognóstico no PEVCI, Thompsom e Westin em 1982. Entretanto a tendência atual, principalmente após os estudos de Herbsthofer, é que o exame radiológico de rotina, deixe de ser uma ferramenta com este objetivo, mantendo-o apenas como um complemento a avaliação clínica.
O objetivo do tratamento do PEVCI é obter ao seu término um pé plantígrado, indolor, com boa mobilidade, que não tenha calos e que não necessite de órteses ou sapatos especiais . A maioría dos autores acredita que o tratamento inicial seja não operatório, e o método preferível é a manipulação com trocas gessadas semanais. Alguns métodos não tão favoráveis já foram tentados antes, como o uso da órtese de Denis Browne, fisioterapia ou estiramentos passivos mantidos com bandagem. Todos esses métodos podem obter sucesso quando aplicados de forma correta, mas comumente desenvolvem correções incompletas ou recidivas freqüentes.
O cirurgião ortopédico deve orientar a família o objetivo, a natureza e a evolução do tratamento. O tratamento, neste caso, é longo e se extende até a próximo da maturidade esquelética. Ponseti acredita que a deformidade do PEVCI tem uma tendência a recorrência até a idade de 6 à 7 anos. Lembrar a família do paciente que uma criança com PEVCI terá sempre consigo estigmas ligados a deformidade inicial, que poderão ser mais ou menos afetados de acordo com o tratamento e suas possíveis complicações. Independente da forma escolhida de tratamento, ocorrerá ao final, atrofia da musculatura da panturrilha, o pé afetado será menor, podendo haver também, desigualdade no comprimento dos membros inferiores.